Dona Giovana estava ali, na varanda de sua casa, no alto dos seus 75 anos. Por um momento, pensou na sua vida pacata na casa onde morava. Vida que passava longe da sua verdadeira realidade.
Com apenas 16 anos e sem ao menos terminar o ensino fundamental, Gio, como era chamada pelos pais, se viu obrigada, diante da situação precária da sua casa, a arrumar um emprego para o sustento dos irmãos e dos pais. Seu primeiro emprego foi totalmente contrário à sua vida. Gio foi ser doméstica em uma casa de um vereador de sua pequena cidade. O patrão morava na parte rica da cidade, diferentemente de Gio, que vivia num dos pontos onde a violência e a prostituição reinavam.
Como todos, comelou ganhando pouco, o seu salário mal dava para ajudar a familia e pagar o seu transporte. Gio era uma ótima empregada. Mesmo morando longe, cumpria seu horário e executava as tarefas com uma perfeição ímpar. Vendo o esforço e a dedicação de sua empregada, o vereador Carlos Albuquerque, o Carlão, resolveu esvaziar aquele cômodo velho nos fundos da casa e fazer dele um quarto para Gio ficar durante a semana. Ao receber a noticia, os olhos da ingênua garota brilharam juntamente com a luz da preocupação de deixar os pais sozinhos, mesmo assim, resolveu aceitar a proposta, sabia que iria economizar o dinheiro do ônibus durante a semana e ajudaria mais a casa.
Sua patroa, Márcia Albuquerque, era diretora de uma escola pública, ao tomar conhecimento da história da pobre empregada, foi à pepalaria e comprou apenas um caderno brochura simples, um lápis e uma borracha branca. Deixou o pacote junto à porta do cômodo de Gio acompanhado de um bilhete dizendo: "A partir de amanhã, você voltará a ser uma aluna, dessa vez, não irá desistir!"
Gio era inteligênte, mas um tanto dispersa. Com 17 anos começou a fazer a oitava série. Com 22 se formou no ensino médio, repetindo o segundo ano por conta da dificuldade com as matérias exatas.
Com outro incentivo de seus patrões, resolveu prestar vestibular em uma escola particular. Alegou não ter dinheiro para pagar, mas o vereador se comprometeu em pagar, dando outro voto de confiança para sua empregada.
Se convenceu. Gio escolheu o curso de pedagogia. Formou-se com 27 anos. O problema agora era como dar continuidade à carreira. Deixou o emprego de doméstica aos 23 por conta de um casamento com um professor de história alguns anos mais velho. Passaram a morar num bairro de classe média. A vida não era luxuosa, mas não era sofrida como quando tinha 16 anos.
Resolveu recordar sua infância, voltando à favela onde morou. Chocou-se ao ver crianças armadas e drogadas pela rua. Sua mente trabalhou. Voltou novamente ao seu ex-patrão, que agora já não era vereador mais e sim o prefeito. Pediu a ele a construção de um sobradinho de dois andares com um amplo espaço interno. Tinha uma ideia em mente.
O Trabalho de construção foi rápido. 6 meses apenas. Ao final, com a ajuda de professores amigos de seu marido, conseguiu a doação de alguns livros didáticos de ensino básico. Dava-se início à uma pequena escolinha. A intenção não era ensinar, era apenas retirar as crianças da rua, da droga, do crime.
As crianças não botaram fé. As aulas começaram com apenas 8 alunos. Demorou um bom tempo para essa escola crescer. Formaram-se duas, três, quatro turmas. Ali as crianças se divertiam. Ouviam histórias. Brincavam em segurança.
Em pouco tempo, a única arma que os meninos empunhavam era um livro ou um gibi.
Voltando a si, nos dias atuais. Dona Giovana mais uma vez olhou pra si. Imóvel em uma cadeira. Estava feliz embora não encontrava forças para esboçar o sorriso. Viu a luz do dia pela última vez quando um rapaz entrou em sua casa para roubá-la. Ela apenas olhou aquele rosto e o reconheceu. Aquele homem era o mesmo que se recusava à frequentar a escola dela. O Homem tambem a reconheceu, e por medo de ser denunciado, puxou o gatinho e correu. Aquela senhora, com tantas vitórias, perdeu apenas uma vez. Perdeu justamente para uma criança que ela não conseguira levar para junto de si. Ali, caída no chão, conseguiu finalmente sorrir não conseguindo desfazer o sorriso antes de sucumbir à morte.
Texto baseado em "A Continuação de um fim" de Débora Ramos, 13, Ipatinga-MG.
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